(Anexo III do livro: “os Provérbios e Blake: triádico”)
Certa vez…
pelas brilhantes folhas no alto das copaíbas que bailantes filtravam a luz percebia-se o dia correndo alto. Os raios fortes que de lá vinham, pousavam sobre uma sacola pendurada junto à entrada-saída do lar sem porta de Hake. Nela, unidos estão um sem número de instrumentos cotidianos, úteis para coletas, caçadas e proteção, ao passar por ali Hake a apanhou ao sair. A sacola – junto com Hake sempre ia, ainda mais quando pretendia passar a noite fora de sua alcova – era algo assim muito feio, pele de bicho, raspa de árvore, e por fora um velho filo tirado de um ninho de estrinhas. Ficava cheio de coisas, sementes, folhas, frutos, um assobio para confundir inimigos e um tronco rígido e comprido fincado de presas e pedras – o saco. Saco, sacola, mochila, nada descreve honestamente o acessório e é de se perguntar, as palavras podem descrever as coisas de fato?
flutuou para fora com o acessório a tiracolo, o negrume vinha aos poucos dominando a cena, observou longe no céu as luas no horizonte, diametralmente opostas. O meio-cair da noite refletia em Hake muitas vezes a luz pungente de um tremor de querer numa frequência desconhecida. E o que se pode conhecer quando apenas se sobrevive?
das duas luas, soprou a rosada mais pra baixo, de onde ela quase lhe alumiara a figura. Sentiu forte aquele querer insaciável, afastou-o. Quanto à amarela, nada podia fazer dela; o extenso astro pouco movia sua posição celestial, fosse claro ou escuro o tempo, madrugada, noite ou dia.
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Tocando as folhas das copaíbas colhe brotos nos ciprestes, àquela época, após as chuvas surgiam frutos baixos, longe de sua toca, onde jogava restos de alimentos. Hake não condena ou deifica utilidades como carne, peles, ossos, presas, sementes, pedras e ar, o ar onde se paira e com o qual se nutrem lá longe – os cogumelos: frutos baixos. Por serem mais que imóveis potentes meios de ligação à Gaia, grandes fungos das chuvas. remédio corpo adoece alimento cura água peles presas fome morte; e cogumelos alma. Alma?
Piscou os olhos e ao estalar as próprias extremidades fez fogo com o qual cozinhou os frutos baixos. Esfregou-os ainda quente sobre o dorso: Agora nada mais me vê:
vôo e deixo o fogo pairando atrás – não virá junto. Fruta dura na sacola fruta velha boca. Sempre quis um saco mais imponente, pintei-o com água foi inútil, com folhas pouco resultado, urina e fezes tanto pior, sangue e restos animais – atraiu as moscas; então contento-me com o saco opaco. Moscas foscas em relação a mim.
catando frutos pelo caminho, voo pela turbulência da queda da água subindo sugada pela imensa lua-planeta lentíssima e amarela,as qualidades dos elementos são sugadas pelo rio que desemboca na garganta inversa, aonde perde-se, vaporosos laços, abre-se infinitamente ínfimo, iridescente-mente pálido, itálico reto, sobreposta camada de nada caçador alimento da caça. E é bem nesse momento, num lapso de desatenção, que a garganta inversa do rio faz-se espontaneamente em filo como um leque que se abre, no centro de dissolução da cachoeira, um filo de estrinha misterioso, coberto por plumas em tons desimaginados
torceu o assobio, coisa grande e sem jeito, torceu, mas nada da estrinha sequer se mexer, além da cachoeira, contorcida pelo efeito do líquido morno, torceu, torceu e foi rodando, a voar, borbulhar o assobio e subir pela força das asas, assim como subia a queda quente, girou, rodopiou naquilo tudo dando impulso sempre à corrente luminosa. As forças que o impulsionavam eram sanas de fantasias & aspectos de um espelho despedaçado entregando ao mundo; continuums simultâneos de uma imagem.
já sem poder sustentar a gravidade do giro, Hake fecha as asas e sua mochila sem cor para mergulhar no espaço, em queda livre se desfaz o tempo, ar rarefeito na queda desembocada ao zênite roça-lhe as faces, desliza por seu cenho acariciado, tomba na água quase fervente, e nada (pra cima ou pra baixo?) aproximando-se dos torvelinhos da outra queda que ao rio era lançada. Lá se refrescou. Hake estava distante da esrtinha, mas farejava seu filo colorido e radiante. Boiando de barriga pra baixo no rio morno olhou a lua dentro do rio-lago, e entre el@s um filo colorido que a tudo sonhava: vê se são suas as asas fazendo rodopiar o fluxo complexo das águas
nadou para um ponto de onde via a estrinha melhor. Pensou se poderia sobrenadar-lhe rapidamente e, já que estava invisível do fruto esfregado nas costas, golpeá-la com a haste de presas. Na confusão talvez houvesse tempo para arrancar dela o filo colorido, cintilante e atraente como a lua amarela, apaixonado. Ficou a mirar a curva aberta e cheia de nuanças todos olhos de bichos que conhecera, arco de olhos um arco de íris – o filo.
sequioso filo-arco-íris, flamejante como a lua em suas asas-telas abriu os olhos para dentro de si: lá bailavam ao milhar rodeando ao centro uma lua radiante – voluptuosa. Era a estrela, como a estrinha, a bailarina e os dançarinos lasciv@s. Hake tímid@ olhava distante, dançava para que prazer mais vivo? o que faria para agradar os astros? As luas lambiam as acrobatas, totalmente renovadas na via crucial de madrugada átimo longuíssimo a ela chegou e nela fez um pouso pleno de entrega estremece antenas a cauda, ela cheia penetrou-lhe as vistas estouradas; pousavam e penetravam ritmos sabe-se lá por quanto tempo, sabe-se lá com quais milagres da física, com quantos amor e clarões lunares: era além de estar vivo!
despertou em infinita sensibilidade, cada gota do rio lhe acariciava os pelos, as antenas, o dorso e as oito asas, inebriadas à beira da queda; redemoinhava aquele corpo recém-nascido para os prazeres da concepção, boiando num oceano de lavas, no ponto de tensão da cachoeira o filo-arco-íris lhe saudou agradecendo, . Abstraiu concentrando-se longamente, deixou seu corpo de plumas e escamas no vapor dourado do absoluto-vazio sob os clarões lunares. a formação de uma mesma supernovas é observada em diferentes eras, em pontos distintos da existência, múltiplos seres sob ângulos específicos: o dorso salão da festa e os seis olhos se revezam para a musa lúcida, de encanto indecifrável.


a lenda viva lhe faz tomar coragem, até então usara de sua sábia covardia para não lançar-se ao vácuo distante do amor etéreo dos astros. Num momento o filo inédito seria conquistado, supremo à luz dos luares, esfumaçado pela água quente da cachoeira que sobe desfazendo-se nos ares. Na borbulhez da cachoeira no centro em que se reparte nas sete já sem leis, disparou como raio, de bastão em riste, e foi do maior tamanho, o regaço na base da cauda, da gota! ela acordou desconcertada do baque que a lançou adiante, sentiu uma estranheza na base da cauda: seu filo central! ah como ficou fula – a estrinha.
Hake desconfiava que a estrinha não sentia dor naquela região, mas sabia que ela havia certamente levado um susto dos diabos, riu-se demorado em sua pequena loucura e pôs-se a soluçar de felicidade. Re-insano, enfiou sem conferir o filo-arco-íris na sacola e calmamente olhou pra trás: tomou um susto de gelar a carapaça, a estrinha o perseguia em velocidade descomunal, atravessando camadas de tempo em sua direção! Hake enfiou a mão na mochila pequena presa à cintura, num piscar de antenas sacou um redemoinho da mochila, lançou-o à sua frente e antes que o pequeno distúrbio climático se dissolvesse atravessou sua saída-entrada sem porta, desaguando por fim num vulcão, bem longe da fulminante estrinha fula e revoltada.
Hoje…
longe do habitat aquático e vistoso original, o rabo da estrinha tornou-se mistérios, inebriada visão de padrões-multicores que se expandem parados; e agora ou depois Hake o vê pousado desfazendo-se a cobrir a sacola, estático. Tranquil@ por tempos readaptad@ como corpos de faquires, eleva efeitos, beija a lembrança e ali bebe a cachoeira, libertando os arco-íris.
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Painting by Godfrid Schalcken - Salomé avec la tête de Saint Jean-Baptiste Text: Fernando Moreno